A perda de peso e perda de massa muscular involuntária associada a presença do câncer e/ou ao tratamento oncológico são efeitos colaterais comum para quem sofre da doença. Isso é motivo de preocupação, mas é possível ajudar o paciente a amenizar esse problema. É sobre este assunto que trataremos neste texto.
Existem números relacionados à perda de peso e massa muscular?
Nos últimos 40 anos, vários estudos relataram que a perda de peso involuntária afeta 50-80% dos pacientes com câncer. Esse percentual de perda varia com o local e tipo celular do tumor, estágio da doença e tratamento.
Do mesmo modo, isso também acontece com a massa muscular. Embora muitas vezes esta situação fique oculta pelo excesso de gordura e IMC elevado, as anormalidades musculares são altamente prevalentes nos indivíduos com doença oncológica, variando de 10 a 90%.
E por que a perda de massa muscular nos preocupa?
A perda de massa muscular relaciona-se com desfechos desfavoráveis:
- menor tolerância a quimioterapia;
- pior performance status e qualidade de vida;
- pior resultado pós-operatório (cicatrização, tempo de hospitalização…);
- menor sobrevida.
O que podemos fazer?
Avaliação Nutricional precoce. Procurar um nutricionista assim que é realizado o diagnóstico do câncer tem se mostrado a melhor maneira de evitar o problema. Esta avaliação deve ser realizada por profissional capacitado, utilizando procedimentos padronizados e incluindo avaliação de hábito alimentar e avaliação de composição corporal, dando ênfase a quantidade de massa gorda e de massa muscular.
Através desta avaliação detalhada é possível identificar e evitar fatores que poderiam levar a resposta reduzida à terapia. Do mesmo modo, é possível adotar estratégias que reestabeleçam estado nutricional saudável e auxiliem o tratamento.
Isso é ótimo! Afinal, o resultado se traduz em cuidado aos pacientes com câncer.
Por que devemos incluir avaliação da massa muscular logo no início do tratamento?
Para explicar a importância da avaliação de massa muscular no começo do tratamento oncológico, precisamos antes falar a respeito do músculo esquelético.
O músculo esquelético é reconhecido como um dos principais reguladores do metabolismo energético e proteico por meio do crosstalk metabólico entre os órgãos do corpo. Isso porque o músculo esquelético é o principal local de captação e armazenamento de glicose, bem como um reservatório de aminoácidos que sustentam a síntese de proteínas em todos os outros locais do corpo.
Pois quando a ingestão alimentar de glicose diminui ou as necessidades metabólicas aumentam, a glicose armazenada é mobilizada do fígado, enquanto a energia é liberada dos depósitos de gordura. Caso esses suprimentos de energia sejam necessários, o reservatório muscular de aminoácidos é esgotado e as proteínas musculares começam a ser quebradas para fornecer aminoácidos para a gliconeogênese, fornecendo energia para outras partes do corpo.
Mas qual a relação com o câncer?
Em condições de doenças que diminuem a ingestão alimentar e/ou aumentam as necessidades de nutrientes – como alguns tipos de câncer – esse mecanismo se agrava. Na vigência de progressão da doença, somam-se vias de estímulo à degradação muscular decorrentes da inflamação sistêmica exagerada ou decorrentes da liberação de alguns fatores pelo tumor (como fator indutor de proteólise). E é neste contexto que observamos a maior parte dos sintomas do tratamento sendo intensificados. Em resumo: a qualidade de vida do indivíduo diminui.
Estudos mostram que a associação destas vias de catabolismo do músculo esquelético limita a disponibilidade de proteína e energia em todo o corpo. Assim, a perda de massa, força e função muscular tem consequências adversas: cicatrização lenta de feridas e recuperação de doenças; incapacidade física (devido à redução geral do estado muscular), bem como perdas seletivas nas fibras do tipo I, que são essenciais para a recuperação do equilíbrio (e, portanto, prevenção de quedas), pior qualidade de vida e custos mais altos de saúde.
O que a nutricionista Juliana Pastore pensa sobre isso?
Mesmo quando não existem sintomas aparentes da doença que afetem a ingestão dos alimentos, é importante fazer uma avaliação nutricional detalhada. Nesta avaliação, nós nos preocupamos em corrigir/ajustar hábitos alimentares e determinar precocemente a massa muscular. Deste modo, podemos acompanhar com dados objetivos este cenário. É possível estabelecer estratégias nutricionais para manutenção/recuperação do estado nutricional com ênfase na massa muscular.
Do mesmo modo, há evidências robustas na literatura de que a eficácia do tratamento medicamentoso pode ser melhor, assim como a toxicidade do tratamento pode ser menor quando o estado nutricional do indivíduo é bom.
Ou seja, esta é uma forma inteligente de cuidar da saúde após o diagnóstico do câncer
Esta avaliação nutricional ajuda a montar o plano alimentar individualizado?
SIM. O uso combinado e precoce de alimentos, complementos e/ou suplementos alimentares será baseado na Avaliação Nutricional. Não é igual para todos, assim como os nutrientes moduladores da resposta inflamatória. Tudo será individualizado para cada paciente!
Em suma, a nutrição é considerada hoje um fator chave na terapêutica. Tanto a qualidade quanto a quantidade de nutrientes são importantes para evitar/diminuir o catabolismo muscular e melhorar o prognóstico.
O plano alimentar vai ser construído considerando o estado nutricional prévio e atual, situação clínica, tratamento proposto etc., sempre com metas individuais e estratégia terapêutica nutricional para aquele momento. Desse modo, conhecer a composição corporal ajuda a definição destas metas e estratégias.
A Avaliação Nutricional consegue sempre resolver a perda de massa muscular?
Uma vez que estamos falando de uma parte do tratamento, vale ressaltar que, na oncologia, temos muitas vias ativas e o tratamento é multiprofissional. Ou seja, isso também acontece para recuperação da massa muscular. Esse tratamento inclui aconselhamento nutricional, exercício físico, nutrientes especiais, medicamentos… Na caquexia (aquele estágio mais avançado), sabemos que a nutrição por si só não pode reverter a perda de massa muscular. Contudo, pode prevenir ou minimizar perdas adicionais, aliviar os sintomas e melhorar a qualidade de vida e os resultados em geral.
Enfim, quando a Avaliação Nutricional é realizada logo no começo do tratamento, há melhora no prognóstico e são evitados problemas relacionados aos efeitos colaterais da terapêutica. Com isso, ajudamos o paciente a recuperar sua saúde e ter mais qualidade de vida durante esta etapa.
Referências
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