Meus pacientes relatam frequentemente alteração no paladar após a cirurgia bariátrica. Ocorrem alterações na sensibilidade do paladar e preferência por alguns alimentos específicos no pós-operatório. Entre eles, o mais frequente é redução de tolerância a sabor doce, mesmo de frutas. Neste texto explico qual a causa dessa sensação, analisar se, de fato, é real e por que isso acontece.
Tem vantagem na alteração de paladar após a bariátrica?
Falamos, em consulta, frequentemente sobre estas mudanças no paladar e elas são bem particulares. São mudanças interessantes e normalmente a favor da reeducação alimentar. Quem nunca teve coragem de provar brócolis passa a comer. Ou alguém que achava iogurte natural impossível de comer, após a cirurgia não aceita outro tipo. Ou quem não tolerava cheiro de atum e passa levar patê de atum de lanche para o trabalho.
Muda o sabor ou muda o gosto?
Há uma confusão muito comum no dia a dia entre sabor e gosto. A percepção dos gostos é feita pelas papilas gustativas, receptores sensoriais do paladar na língua. Até recentemente, acreditava-se que cada gosto era sentido em uma região diferente da língua. Doce, na ponta, e amargo na parte mais próxima à garganta, por exemplo. Hoje se sabe que qualquer gosto pode ser percebido em diferentes partes da superfície lingual, assim como pela epiglote – cartilagem acima da laringe – e pelo palato mole – a parte muscular, mais mole, do céu da boca.
O sabor, independente de qual (chocolate, canela, maçã…), vem da combinação do paladar com o olfato. Dessa combinação, 90% do sabor é graças à percepção do olfato, do cheiro, e apenas 10% do gosto. Quem já não deixou de sentir o gosto do alimento porque estava gripado?
Ou seja, a preferência das pessoas por um alimento em detrimento a outro não tem a ver apenas com o trabalho das papilas gustativas a que o cérebro está associado. Isso está mais ligado ao sistema límbico, área que gera emoções no cérebro, somado a influências psicológicas e culturais.
O que dizem os estudos sobre alteração no paladar após a bariátrica.
Há pesquisas relacionadas a esta temática complexa para entender os mecanismos que geram alterações em preferência e tolerância de alguns alimentos após o tratamento cirúrgico da obesidade. Não há muitos estudos com humanos e não temos todas as respostas, mas as evidências científicas disponíveis sugerem que há uma alteração na percepção do paladar após procedimentos bariátricos. Aliás, este fato pode contribuir para a manutenção da perda de peso em longo prazo.
Segundo esses estudos, diferentemente do que se imaginava, o efeito é em parte resultante do restabelecimento do paladar normal. Pois as pessoas com maior índice de massa corporal parecem encontrar com menos facilidade sabores agradáveis e recompensadores. Desta forma, além de comer mais, buscam alimentos mais doces e mais gordurosos. A cirurgia de bypass gástrico é capaz de restabelecer os limiares de sabor e retomar a sinalização de recompensa para os mesmos níveis observados em indivíduos com peso normal, bem como diminuir a preferência e a ingestão de alimentos ricos em calorias.
Quais as alterações mais comuns.
As alterações citadas mais comumente pela literatura são um aumento na sensibilidade a estímulos de sabor doce e gordurosos com uma diminuição na preferência aos estímulos de sabor doce, bem como um aumento na acuidade do cheiro. Alimentos que os pacientes antes reclamavam não ter gosto de nada, dois meses depois falam sentir muito doce. Acontece muitas vezes, por exemplo, com wheys saborizados.
“Estes estudos trazem mais uma evidência que não sustenta a ideia de despedir-se dos alimentos antes da cirurgia – prática comum entre os operados. Afinal, após a cirurgia, você provavelmente nem vai desejá-los, seu paladar estará melhor!”
Sabemos que alterações fisiológicas são uma parte de um todo. Não podemos esquecer que também ocorre alteração de estratégia de controle emocional no pós-operatório. Sujeitos obesos comumente são reforçados positivamente com o sabor prazeroso dos alimentos ou usam o alimento como estímulo agradável do ambiente para fugir de emoções ruins. E, no pós-operatório, muitas vezes, essas pessoas não precisam do alimento, uma vez que a cirurgia já funcionará como uma importante fonte de reforço na vida desse sujeito.
Resumindo, existe, sim, alteração de paladar no pós-operatório, e ela frequentemente auxilia no controle de alimentação saudável e manutenção de peso. Mas o tratamento da obesidade é complexo, deve-se manter acompanhamento de equipe multiprofissional. Mesmo depois de realizada evolução de consistência e ter atingido composição corporal saudável é fundamental entender e acompanhar o comportamento alimentar na vida do sujeito bem como as diferentes variáveis atreladas a ele.
Referências:
– Obesity Surgery (2018) 28:3321–3332 https://doi.org/10.1007/s11695-018-3420-8
– Obesity Surgery. https://doi.org/10.1007/s11695-018-3584-2
– Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 24, n. 2, p. 577-599, ago. 2018
– http://www.abeso.org.br/noticia/obesidade-reduz-paladar-sugere-estudo